quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Treze de outubro

- por Fer

Aqui onde eu vivo é um lugar muito calmo, quentinho e confortável. Aliás, não só eu, porque existem outros iguais a mim. Há algum tempo que eu estou presa aqui dentro, e acho que já estou ficando grande demais... Melhor eu achar um lugar maior para mim. E assim eu saí em busca de uma nova "casa". Eu fiquei com um pouco de medo, porque aqui fora é muito frio. Comecei a chorar, mas logo fui amparada por alguém muito parecido comigo, que cuidou de mim com perfeição. Depois me contaram que esse alguém era minha mãe. E aqueles outros que vivam grudadinhos comigo naquele lugar quentinho, a barriga dela, eram meus irmãos. Nós éramos em quatro meninas e um menino, nosso pelo preto, enquanto o dele era amarelinho.

Nós éramos uma família feliz, fazíamos tudo juntos. Um dia, depois de eu já estar um pouco crescida, alguém veio e me pegou no colo. Deve ser um passeio, pensei - Daqui a pouco eu volto. E olha que legal, eu iria de carro. Um homem vinha conversando comigo, dizendo algo sobre uma casa nova. Mas espera aí, como assim uma casa nova? E minha mãe, meus irmãos, por que não vieram junto? Fiquei com medo, mas o passeio continuou. Após alguns minutos, o carro parou e aquele homem desceu, me levando com ele. Nós tinhamos chegado numa casa diferente, e maior do que aquela que eu estava acostumada. Ele me colocou no chão, e eu cambaleei, de um lado para o outro - minhas patinhas naquele chão gelado. Senti aquele mesmo frio de quando eu mudei de casa pela primeira vez. 
Continuei andando, procurando por algum dos meus irmãos. Não encontrei nada, exceto uma garota que estava na porta. Ela me olhou com um olhar de dúvida, confusão... Acho que ela não estava esperando por mim. Então ela perguntou para aquele homem que me trouxe no carro:

"É ela? Mas você não disse que ía trazer ela pra cá só daqui 3 dias, quando eu chegasse de viagem?"

Ao que parecia, cheguei antes do esperado. Aquela menina continuou me olhando, agora diferente, um olhar afetuoso. Ela me chamou, eu fiquei com medo, mas fui até ela. Então ela me pegou no colo, me colocou perto do seu rosto e sentiu meu pelo macio. Desde esse dia, essa garota passou a cuidar de mim: me dava o que comer, esquentava leite no micro-ondas todos os dias para eu tomar à noite, me via comer, me via dormir, trazia cobertor nas noites frias, e não largava de mim. Mal chegava do colégio e já estava lá, brincando comigo. Me olhava como se eu fosse uma pequena pedra preciosa prestes a cair no chão, mas eu sei que ela não deixaria eu me machucar. "Katy", era assim que ela me chamava.

E assim os dias foram se passando, eu crescendo e ficando cada vez mais agitada, e a menina cada vez mais atenta aos meus movimentos. Eu puxava o pano da porta, virava uns vasos de flores, jogava água para fora do pote nos dias quentes, corria pela grama, sujava a calçada todinha. E não importa o que eu fizesse, a menina podia até me repreender um pouco, mas logo me lançava aqueles olhares doces, achando tudo uma graça. Ela só dizia: "Katy, se minha mãe ver essa bagunça toda..." E aí ela arrumava tudo o que eu tinha bagunçado, "apagava as provas", mas a mãe dela sempre percebia e brigava com ela, dizendo que ela não sabia educar um cachorro. Tanto faz, a menina não dava ouvidos ao que a mãe dela falava sobre mim, porque ela me amava de uma forma que nem eu sei explicar.

Cresci mais e mais, cada vez fazendo mais bagunça e destruindo qualquer coisa que eu pudesse pegar com a boca naquele quintal. Acho que a menina cansou do meu mal comportamento e então tentou me impor algumas regras. Até comprou um pacote de "biscoito de recompensa" para treinamentos, mas não deu muito certo. Ela desistiu de me ensinar, mas eu sabia que mesmo naqueles dias em que ela gritava comigo ela ainda me amava.

Desde o dia em que eu cheguei nessa casa, muitas coisas aconteceram, mas eu me lembro especialmente de alguns dias, como aquele em que nós ficamos correndo no quintal enquanto chovia, ou como aquele em que ela me levou na veterinária e eu caí várias vezes na balança de pesar (na época, 30kg), ou como naquele em que ela estava distraída e não viu eu pular em cima dela e deixar a roupa dela cheia de patas (o que acontecia com mutia frenquencia, devido ao meu "pequeno" tamanho).

O tempo passou, e hoje eu completo dois anos. Dois anos de muita bagunça e carinho, assim como serão os anos que estão por vir. E a menina? Continua me olhando como se eu fosse uma coisa rara, com aqueles olhos repletos de um amor que eu sei que é só meu.

 A foto não ficou muito boa, mas foi a única com foco que eu deixei ela tirar hoje. 

give me some poison, baby!

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